domingo, 19 de fevereiro de 2017

LAURA (1944)


LAURA (1944)

Otto Preminger nasceu em Viena de Áustria, filho de um importante advogado que idealizou para ele uma mais que óbvia carreira de magistrado. Mas, desde muito miúdo que o que Otto Preminger queria era trabalhar no teatro e desde os 16 anos começou a pisar as tábuas do palco. No ano seguinte, estava já sob as ordens do prestigiado Max Reinhardt. Aos vinte anos, formado em advocacia, dirige uma companhia de comédia, mantendo a ligação com Reinhardt.
Estreia-se na realização em 1931, com 25 anos, mas interrompe a sua carreira na Áustria, porque começou a não gostar da proximidade de Hitler e das suas ideias. Partiu para a América, onde, em 1936, dirige o seu primeiro filme norte-americano, mas o director da Fox era então Zanuck e, sendo ambos autoritários e muito senhores do seu nariz, cedo surgem conflitos que o levam a partir para Nova Iorque. Aqui, fica-se pelo teatro, encena e interpreta várias obras, e é convidado para professor de encenação na Universidade de Yale. Volta então a Hollywood, para interpretar alguns filmes, entre os quais “Stalag 17”, de Billy Wilder, e arranca para uma segunda fase da sua carreira de cineasta. Em 1944, dirige “Laura”, que para o autor é o seu verdadeiro primeiro filme. Diga-se de passagem que "se iniciou" assim com uma obra-prima, a que se seguiram depois muitas outras obras admiráveis, como “Forever Amber”, “River of No Return”, “Bunny Lake is Missing”.
Mas a sua vasta filmografia permite curiosas análises. Primeiro que tudo, trata-se obviamente de um autor, um homem com uma obra extremamente coerente, mesmo quando num caso ou noutro se pode falar de falhanço. Para conseguir manter essa coerência consigo mesmo, torna-se produtor dos seus próprios filmes, o que na altura não era muito vulgar.


Apaixonado pelos grandes temas, muitas vezes retirados de "best sellers", abordou o racismo em “Carmen Jones”, “Porgy and Bess” ou “Harry Sundwon”; advogado, não esqueceu as salas de tribunais, e em “Conselho de Guerra” ou “Anatomia de um Crime” passeia-se por elas com uma desenvoltura notável; em “Exodus” aborda a questão judaica e a formação do estado de Israel; em “O Cardeal”, percorre os corredores e as manobras de bastidores do Vaticano; a solidão e o conflito de gerações estão presentes em “Bom Dia, Tristeza”; a guerra é a base de “A Primeira Vitória”, e com “Tempestade sobre Washington” entra no Senado norte-americano para o discutir com uma frescura e largueza de pontos de vista que tornariam a obra suspeita aos olhos da direita mais radical.
Senhor de um estilo inconfundível, que alguns acusam de ser frio e distante, mas apenas é rigoroso e discreto, Otto Preminger gostava de passear a sua câmara aos longo de notáveis planos sequência, que, dir-se-ia, iam montando o filme à medida que este se ia rodando, sem grande necessidade de muito corte e recorte na moviola. Quando apareceu o Cinemascope, nos anos 50, foi dos que melhor aproveitou as possibilidades plásticas deste novo formato, em filmes como “Rio sem Regresso”, “Carmen Jones” ou “Bunny Lake is Missing”. Mas foram os seus filmes dos anos 40 que o tornaram um mestre, muito embora a sua obra mais recente não seja de todo em todo negligenciável, como muitos procuram fazer crer. Mesmo em filmes como “Exodus”, “O Cardeal” ou “A Primeira Vitória”, Preminger assina sequências dignas do seu melhor.


Regressando a “Laura”, que parte de um argumento de Jay Dratler, Samuel Hoffenstein e Elizabeth Reinhardt, baseado no romance de 1943 de Vera Caspary, posso assegurar que este é um dos meus filmes predilectos da década de 40 americana, a história de uma obsessão, a de um inspector da polícia que vive fascinado pelo retrato de uma mulher belíssima, que ele julga morta. Mas, em Otto Preminger, as aparências iludem e quase todos os seus filmes nos levam a desconfiar das primeiras impressões. O que parece certo e seguro, não o é quase nunca.
O argumento denota algumas fragilidades e incoerências se analisado à lupa numa perspectiva estritamente racional. Mas esta não é uma obra “racional”, mas sim uma viagem por espíritos transtornados por grandes paixões. Em Manhattan, Nova Iorque, um detective, Mark McPherson (Dana Andrews), inicia a investigação de um crime. Aparentemente o corpo da bela e sedutora publicitária Laura Hunt (Gene Tierney) aparece à entrada da porta do seu apartamento, vítima de dois tiros desfechados à queima-roupa. Laura tinha à sua volta vários pretendentes, e possíveis suspeitos, entre os quais o colunista Waldo Lydecker (Clifton Webb), um dandy petulante e enfatuado que se tinha tornado protector da jovem, mas também um empertigado pelintra playboy que se afirma pintor e se anuncia noivo de Laura, Shelby Carpenter (Vincent Price). Outras personagens surgem ainda, como uma amiga misteriosa que disputa o amor de Shelby, Ann Treadwell (Judith Anderson), e também a traumatizada empregada da publicitária, Bessie Clary (Dorothy Adams).


Mark McPherson percorre os últimos dias de Laura, a sua correspondência e diário íntimo, instala-se em sua casa, onde olha demoradamente um belíssimo retrato da mulher dada como morta, e lentamente deixa-se possuir por essa presença-ausência. Tal como Waldo ou Shelby, Mark sente-se dominado pelo fascínio daquela mulher que inspira sentimentos profundos e ciúmes incontroláveis. Adormecido uma noite frente ao retrato de Laura, acorda com a presença real da retratada, que regressa de uns dias de férias passados numa casa de campo. O mistério avoluma-se, adensa-se, agora com o objecto das paixões bem presente entre detective e suspeitos.
O trabalho de "mise-en-scène" de Otto Preminger procura sobretudo penetrar a realidade, interrogá-la, desafiá-la. A câmara vagueia pelos espaços fechados e carregados e sombras e luzes (é curioso verificar o jogo que se estabelece na criteriosa utilização de ambas ao longo de todo o filme), envolvendo o espectador num soberbo exercício de estilo. É o que poderemos ver neste filme admirável, fabulosamente interpretado por uma Gene Tierney de sonho, muito bem secundada por Dana Andrews, Clifton Webb e Vincent Price.
Aparentemente, “Laura” é um policial, mais precisamente um “film noire”. Mas o talento do cineasta e da sua equipa transformam-no em algo de inclassificável: uma história de amor que continuamente nos foge, um filme de um romantismo envolvente, que um certo cinismo do olhar não deixa nunca resvalar para a facilidade; uma absorvente história de mistério... A brumosa fotografia de Joseph La Shelle e a música de David Raksin servem de forma magistral os propósitos de Preminger.
Curiosamente, este filme foi iniciado por Preminger ao nível do tratamento do argumento, e Darryl F. Zanuck indicou-o somente para produtor, dado que havia anteriormente jurado que Preminger nunca realizaria mais filmes para ele. Mas, depois de alguns dias de rodagem entregues a Rouben Mamoulian, este foi afastado do projecto que, entretanto, veio parar às mãos de Preminger. Tinha sido Marlene Dietrich a actriz inicialmente prevista para protagonista, mas por impossibilidade desta, haveria de ser Gene Tierney a encarnar a personagem que para sempre se lhe colaria à pele e lhe traria a glória.
Em 1999, “Laura” foi seleccionado para ser preservado no “United States National Film Registry”, organizado pela “Library of Congress”, em função da sua importância “cultural, histórica e estética”. Considerado pela escolha do “American Film Institute” como um dos melhores 100 “thrillers” de sempre, encontra-se igualmente no número 1 dos 100 melhores filmes de mistério de sempre.


LAURA
Título original: Laura

Realização: Otto Preminger, Rouben Mamoulian (este não creditado) (EUA, 1944); Argumento: Jay Dratler, Samuel Hoffenstein, Elizabeth Reinhardt, Ring Lardner Jr., segundo romance de Vera Caspary; Produção: Otto Preminger; Música: David Raksin; Fotografia (p/b): Joseph LaShelle, Lucien Ballard; Montagem: Louis R. Loeffle; Direcção artística: Leland Fuller, Lyle R. Wheeler; Decoração: Thomas Little; Guarda-roupa: Bonnie Cashin; Maquilhagem: Guy Pearce; Assistentes de realização: Tom Dudley, Robert Saunders; Departamento de arte: Paul S. Fox; Som: Harry M. Leonard, E. Clayton Ward; Efeitos especiais: Fred Sersen, Edwin Hammeras, Edward Snyder; Companhias de produção: Twentieth Century Fox Film Corporation; Intérpretes: Gene Tierney (Laura Hunt), Dana Andrews (Detective Mark McPherson), Clifton Webb (Waldo Lydecker), Vincent Price (Shelby Carpenter), Judith Anderson (Ann Treadwell), Grant Mitchell, Dorothy Adams, Lane Chandler, John Dexter, Ralph Dunn, Clyde Fillmore, James Flavin, William Forrest, Kathleen Howard, Frank LaRue, Thomas Martin, Jane Nigh, Harold Schlickenmayer, Larry Steers, Harry Strang, Cara Williams, etc. Duração: 88 minutos; Distribuição em Portugal (DVD) inexistente; DVD: Twenty Century Fox. Colecção Cinema Référence; Inglês com legendas em francês; Classificação etária: M/ 12 anos. Estreia em Portugal: 3 de Dezembro de 1945. 

À BEIRA DO ABISMO (1946)


À BEIRA DO ABISMO (1946)

"The Big Sleep" parte de um romance de Raymond Chandler e tem o argumento assinado por William Faulkner, além de Jules Furthman e Leigh Brackett. O realizador é Howard Hawks, que o dirigiu em 1946, dois anos depois de ter reunido pela primeira vez Humphrey Bogart e Lauren Bacall em “Ter ou não Ter”. Reunião explosiva que haveria de levar os dois actores a um casamento que duraria até à morte de Bogey, em 1957. Raymond Chandler, juntamente com Dashiell Hammett, são os maiores escritores de policiais deste período. Criando, entre outras personagens, dois detectives privados inesquecíveis, que Bogart interpretou de forma magistral: Philip Marlowe e Sam Spade. Ambos podem ser considerados os principais cultores do romance negro norte-americano, abastecendo abundantemente o cinema com obras que se tornariam clássicos deste género. No caso de Dashiell Hammett, “Relíquia Macabra” ou “The Thin Man” são dois bons exemplos. Quanto a Philip Marlowe, “À Beira do Abismo” e “A Dama do Lago” bastam para assegurar uma posição notória.
Howard Hawks não foi um realizador para se manter fiel a um género, preferindo vogar livremente ao sabor da inspiração e das encomendas de ocasião. Tinha o condão de transformar em obras de autor todos (ou quase todos) os filmes que dirigia. Comédias, policiais, westerns, ficção científica, dramas, filmes históricos contam-se na sua filmografia. “Ter ou não Ter” e “À Beira do Abismo” bastaram para lhe criar um lugar essencial na história do filme negro, ainda que não respeitasse integralmente as regras do género, coisa que aliás nunca respeitou em nenhum outro. Uma das suas características será mesmo essa indisponibilidade para respeitar regras. Raros são os seus filmes onde as relações humanas são convencionais. Casais bem casados quase não existem. Mas relações de amizade e camaradagem podem ver-se amiúde, ainda que sempre observadas por um prisma de certa originalidade. Mas violência, traições, hipocrisia, cinismo, um olhar distanciado sobre a realidade, dado através de uma ironia fina e uma crítica mordaz são constantes. As suas personagens gostam de acção, movimento, diálogos curtos, poucas explicações, entrechos complexos, por vezes confusos, dando a impressão de que o cineasta prefere aprofundar mais as figuras que as situações.


“À Beira do Abismo” é um excelente exemplo desta prática. A intriga é particularmente intrincada e, mesmo depois de duas ou três visões, o espectador ficará com dúvidas sobre o que aconteceu. Numa entrevista dada alguns anos depois da conclusão de “The Big Sleep”, Howard Hawks confessava que ainda não sabia quem teria assassinado um dos sete indivíduos transformados em cadáveres que aparecem ao longo da obra. Julgamos que se referia a um motorista que é dado como morto e de quem pouco mais se sabe. Não interessa, também. O que importa neste filme, que quase ninguém hesita em classificar como uma obra-prima, são realmente as personagens, entre elas a estranha relação que se estabelece entre Philip Marlowe (Humphrey Bogart) e Vivian Rutledge (Lauren Bacall), os diálogos, tensos, nervosos, irónicos, cínicos, o clima denso, pesado, soturno que rodeia esta história viciosa e violenta, bem como a arte da narração e a fotografia enevoada e cinzenta. De resto, a ambiguidade é a certeza com que nos defrontamos ao longo da projecção. Nunca se sabe bem quem é quem, o que o move, qual o passo seguinte. 
Philip Marlowe, detective privado, ex-polícia aposentado por não se dar bem com as regras do sistema, é convocado pelo velho general Sternwood (Charles Waldron) para o visitar na sua mansão em Los Angeles. Sternwood recebe-o numa estufa, com um calor sufocante, por entre orquídeas e cobertores que o envolvem na sua cadeira de rodas. Sternwood está doente, oferece uma bebida ao visitante, e bebe-a ele próprio com os olhos. Ele vive através dos outros. O encontro é para contratar Marlowe para este tentar resolver um caso de chantagem que tem como alvo a filha mais jovem do general, Carmen Sternwood (Martha Vickers), uma (pouco mais que adolescente) ninfomaníaca destrambelhada, perdida no jogo e na droga. Quando se apresta a deixar a mansão, Marlowe é interpelado pela outra filha de Sternwood, Vivian, que quer saber o que o pai tem em mente. Depois há um pouco de tudo, bibliotecas e livrarias que o são, e outras que o são apenas na aparência, casinos e jogo, ciladas e traições, casas isoladas onde acontecem estranhas sessões fotográficas e ocorrem assassinatos, com o defunto a aparecer e desaparecer, cenas de sedução e outras de violência verbal, Marlowe preso, Marlowe solto, Marlowe à frente dos acontecimentos, Marlowe perseguindo os acontecimentos e, sobretudo, Marlowe e Vivian a começar por se insultarem insolentemente e acabarem nos braços um do, outro (para o que os argumentistas e Howard Haws tiveram de alterar substancialmente o desfecho do romance de Raymond Chandler).


De resto, o filme tem situações magníficas de humor e invenção. Arthur Geiger, um dos suspeitos, possui uma livraria que Marlowe vista. É recebido por Agnes Louzier (Sonia Darrin), a quem pergunta por uma terceira edição de "Ben Hur", de 1860, com a errata na página 116, o que a empregada de Geiger desconhece, pois a livraria não é mais do que máscara para negócios ilícitos. E vão surgindo o desaparecido Sean Regan, o violento Joe Brody, o bem-apessoado Eddie Mars, que dirige o casino, e alguns cadáveres a entremearem as situações.
Howard Hawks serve-se de um estilo nervoso, sincopado, elíptico, numa narrativa enxuta, planos fixos, raros movimentos de câmara, apenas os necessários para acompanhar personagens, que todavia conferem uma ambiência sólida e inquietante, misteriosa e exaltante.
Curiosamente, Lauren Bacall não assina o retrato de uma mulher fatal habitual, mas de alguém de uma sensualidade furtiva, que se adivinha mais do que mostra (todo o contrário da oferecida irmã, que se atira literalmente para o colo de quem está mais próximo). Esta personagem, perante o distante e cínico Marlowe acaba por vivenciar momentos de alta voltagem erótica, o que não será de estranhar dado que o casal Bacall-Bogart vivia na vida real uma lua-de-mel de contagiante felicidade
Nota final: em 1978 surgiu uma nova versão de "The Big Sleep" (O Sono Derradeiro, em português), dirigida por Michael Winner, com Robert Mitchum, Sarah Miles, Richard Boone, entre outros. Uma desilusão.


À BEIRA DO ABISMO
Título original: The Big Sleep

Realização: Howard Hawks (EUA, 1946); Argumento: William Faulkner, Leigh Brackett, Jules Furthman, segundo romance de Raymond Chandler ("The Big Sleep"); Produção: Jack L. Warner, Howard Hawks; Música: Max Steiner; Fotografia (p/b): Sidney Hickox; Montagem: Christian Nyby; Direcção artística: Carl Jules Weyl,Max Parker; Decoração: Fred M. MacLean; Maquilhagem: Perc Westmore; Direcção de Produção: Eric Stacey; Assistentes de realização: Chuck Hansen, Robert Vreeland; Som: Robert B. Lee;  Efeitos especiais: Roy Davidson, Warren Lynch; Efeitos visuais: Paul Detlefsen; Companhia de produção: Warner Bros.-First National Pictures Inc.; Intérpretes: Humphrey Bogart (Philip Marlowe), Lauren Bacall (Vivian Rutledge), John Ridgely (Eddie Mars), Martha Vickers (Carmen Sternwood), Dorothy Malone (empregada de livraria), Peggy Knudsen (Mona Mars), Regis Toomey ( Inspector Bernie Ohls), Charles Waldron (Gen. Sternwood), Charles D. Brown (Norris), Bob Steele (Lash Canino), Elisha Cook Jr. (Harry Jones), Louis Jean Heydt (Joe Brody), Trevor Bardette, Joy Barlow, Max Barwyn, Deannie Best, Tanis Chandler, Jack Chefe, Joseph Crehan, Oliver Cross, Sonia Darrin, Carole Douglas, Jay Eaton, etc. Duração: 114 minutos; Distribuição em Portugal: Warner Bros.; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal:14 de Janeiro de 1948.

A SEDE DO MAL (1958)


A SEDE DO MAL (1958)

A abrir “Touch of Evil” (1958), Orson Welles oferece-nos desde logo uma sequência magnífica que ficará para sempre como referência mítica na história do cinema: durante alguns (longos) minutos (o que nunca antes fora tentado) assiste-se a um plano sequência que se inicia no México e, passada a fronteira que liga dois países, acabará nos EUA. Percebemos que alguém coloca uma bomba relógio num carro estacionado num parque de estacionamento da pequena localidade de Los Robles, vemos um milionário norte-americano sentar-se ao volante, tendo a seu lado a amante, vemos o carro arrancar em direcção à fronteira, cruzando-se com o investigador da luta anti-narcóticos, Miguel Vargas (Charlton Heston) e a sua jovem esposa (Janet Leight), que acabam de viver a sua lua-de-mel no México, e, já depois de ultrapassado o controle, ouve-se o detonar da bomba e vê-se o carro erguer-se no ar envolto em chamas e cair no alcatrão. O atentado concretiza-se em terra americana, por isso é chamado à investigação o experimentado capitão Hank Quinlan (Orson Welles), mas como o engenho fora colocado ainda em solo mexicano, Miguel Vargas interessa-se pelo acontecido e acompanha o inquérito. 
Quinlan, que baseia grande parte do sucesso das suas investigações na intuição e nas indicações que a sua perna aleijada lhe vai apontando, chega rapidamente a um suspeito, Sanchez, um mexicano que se casara secretamente com a filha do milionário e que, por isso mesmo, oferece um bom motivo para perpetrar o assassinato. Como as provas não abundam, e só fala o instinto (e um certo racismo, mal disfarçado, para com os mexicanos), Quintan resolve colocar algumas cargas de dinamite em casa de Sanchez para o incriminar, procedimento que desgosta Vargas, surgindo entre ambos uma disputa que tem a ver com métodos de trabalho e morais contraditórias. Mas Quinlan associa-se à Mafia local, contacta com a família de Grandi, e tenta intimidar Vargas e pôr em causa os seus processos. São duas concepções de justiça que se opõem, sentindo-se o efeito da venalização por comportamentos nada ortodoxos.


Com uma fotografia notável e excelente iluminação de mestre Russell Metty, jogando abertamente com a influência expressionista, sobretudo na forma como descreve os ambientes nocturnos da pobre vila mexicana, na mão de “gangs” de mafiosos, “A Sede do Mal” atenta sobretudo na análise de mais uma das grandes personagens impostas pelo génio de Welles: Quinlan, que vive obcecado pelo assassinato da mulher, estrangulada trinta anos antes, e que deixou pesadas marcas no seu comportamento: “Esse foi o último culpado que me escapou”, afirma Quinlan, que promete luta sem cartel ao submundo do crime, nem que para tanto tenha de forjar provas e criar um estatuto de “justiceiro” por conta própria. O seu código de honra é muito especial, e ajusta-se perfeitamente à aparência física da personagem, criada e interpretada por Orson Welles.
Polícia sem moral, corrupto, não olhando a meios para alcançar os fins em vista, Quinlan associa à repugnância da sua “monstruosa” aparência a falta de ética e de princípios do seu íntimo. Como representante da Lei, Quinlan é um bom exemplo do que esta não deve ser, apesar de (ou agravado por esse facto) ir criando seguidores e admiradores, como o seu amigo e ajudante (e já cúmplice!) Menzies.
As razões psicológicas que poderemos encontrar para explicar a personagem, não nos permitem valorizar positivamente os seus processos, que contêm esse “touch of evil” que tanto fascina Welles ao longo de toda a sua carreira de cineasta.
Inicialmente, o filme parecia destinado a ser mais um “policial” ou “filme negro” de série B, mas a genialidade de estilo de Orson Welles fez desta obra um trabalho absolutamente invulgar e absorvente, quer pela forma como desenha as figuras contra o cenário miserável e decadente do “pueblo”, quer pela maneira brilhante como a narrativa se estabelece, com contínuos “tours de force” de uma realização inventiva e eficaz, que cria um clima malsão e o impõe de forma fulgurante e coerente.


Orson Welles conta como “A Sede do Mal” lhe foi parar às mãos: “No que diz respeito ao tema, impuseram-mo. Não me apresentei no estúdio declarando: "Quero filmar esta história". Eles já a tinham. Quanto à realização, fui encarregado dela por acaso: haviam contactado Charlton Heston para representar o papel principal: "Quem é que está mais neste filme? " perguntou ele. Responderam-lhe: "Talvez pudéssemos ter Orson Welles". Ele julgou que queriam dizer que era como realizador, e comentou logo: "Oh! Representarei não importa em que filme realizado por Orson Welles." Daí, pensaram: "Ah, então mais vale pedir-lhe para fazer o filme!" Transformei o argumento que me tinham dado, reescrevendo certas cenas até ao momento de rodar a manivela e outras durante a rodagem, remodelando a história. Portanto, o meu papel de autor, neste filme, só se exerceu dentro de certos limites impostos pelos elementos do argumento de que dispunha à partida. Por outro lado, como acontece quando queremos fazer um filme que toque um largo público, senti-me forçado a dar à minha realização um estilo que tivesse um valor, um interesse, tanto para os cinéfilos atentos como para os miúdos que vão ao “drive-in”.
Mas a sua realização é definitivamente marcante: os ângulos de filmagem oblíquos, causando estranheza no espectador, a profundidade de campo da grande angular utilizada, criando uma perspectiva “em fuga” para um ponto do horizonte que por vezes conduz ao beco sem saída mais completo (“Não tens futuro. O futuro esgotou-se”, diz Tana a Quinlan), os movimentos de grua, com vistas áreas que planam sobre as figuras, captando-as como insectos ou monstros descomunais, a representação escolhida para impor algumas personagens, tudo serve um estilo determinado, barroco na expressão, simbólico nalguns momentos (“ Era um chui nojento. Era um homem”), de uma clareza desarmante noutras alturas. “Estou farto de andar atrás da verdade. Lidar com patifes, pode fazer ficar-se como eles”, diz Menzies na sequência final, antes de Quinlan tentar lavar na água as mãos sujas de sangue. Mas é tarde demais. “The Touch of Evil” está presente.
O filme não estreou como Orson Welles o havia idealizado. Ele próprio o explicou, numa entrevista aos “Cahiers du Cinema”: Deram-me carta branca durante toda a rodagem; foi na verdade uma magnífica experiência. Depois, assim que a rodagem chegou ao fim, o estúdio fechou e toda a gente foi posta na rua; não sei quantas pessoas exactamente, mas pelo menos quinhentos a seiscentos empregados foram dispensados. Era a grande reorganização, período durante o qual ninguém sabia ao certo o que se passava. O produtor - não fui eu que produzi este filme - o meu produtor, Zugsmith, foi trabalhar para a MGM. É uma história aborrecida, não passa de intrigas. Enfim, de repente não havia mais produtor, e não me autorizaram a acabar a minha montagem, foram incorporadas duas ou três cenas que eu nem tinha escrito nem dirigido, nunca me convidaram a ver o meu filme terminado”.


A SEDE DO MAL
Título original: Touch of Evil

Realização: Orson Welles (EUA, 1957); Argumento e diálogos: Orson Welles, segundo Badge of Evil, romance de Whit Masterson. Fotografia: Russell Metty.  Música: Henry Mancini. Cenários: Russell A. Gausman e John Austin. Guarda-Roupa: Bill Thomas.  Montagem: Virgil W. Vogel e Aaron Stell. Assistentes de encenação: Phil Bowles e Terry Nerson.  Som: Leslie I. Carey e Frank Wilkinson. Direcção artística: Alexander Golitzen e Robert Clatworthy; Produção: Albert Zugsmith, para Universal-International; Intérpretes: Charlton Heston (Mike Vargas), Janet Leigh (Susan Vargas), Orson Welles (Hank Quinlan), Joseph Calleia (Pete Menzies), Akim Tamiroff («Uncle» Joe Grandi), Joanna Morre (Marcia Linnekar), Ray Collins (Adair), Dennis Weaver (guarda nocturno), Valentin de Vargas (Pancho), Mort Mills (Schwartz), Victor Milian (Manolo Sanchez), Lalo Rios (Risto), Michael Sargent ("Pretty Boy"), Marlène Dietrich (Tanya), Zsa Zsa Gabor, Keenan Wynn, Mercedes McCambridge, Joseph Cotten, etc. Rodado nos estúdios da Universal, em Hollywood, e em exteriores em Venice (Califórnia); Duração: 108 minutos; Estreia: Fevereiro de 1958 (EUA); Distribuição internacional: Universal International; Distribuição em Portugal (cópia nova): Atalanta Filmes; Universal (DVD); Classificação: M/ 12 anos.

SEM CONSCIÊNCIA (1951)


SEM CONSCIÊNCIA (1951)

“The Enforcer”, filme cuja realização foi iniciada por Bretaigne Windust que, entretanto, adoeceu, e terminada por Raoul Walsh, que não o pretendeu assinar, deixando o amigo ficar com os louros da obra, é um produto híbrido, enquanto thriller, que tanto pode, e deve, ser considerado um filme policial, como um filme negro, podendo ainda ser visto como um filme de gangsters, onde impera uma organização criminosa que é conhecida como “companhia”, que estabelece “contratos” tendo em vista um determinado “alvo”. Tudo fórmulas encriptadas para encobrir a verdadeira natureza desta actividade. A “companhia” é “contratada” para abater determinados “alvos” que alguém “encomenda”. A ideia inicial deste “negócio” é eliminar a suspeição sobre os que vivam perto da vítima e possam ter razões para a quererem eliminar. Sendo um perfeito desconhecido a executar o crime, deixando ao mandante a possibilidade de possuir um alibi sem mácula, mais difícil, senão impossível, se torna o trabalho da polícia. Claro que há sempre um mas, e neste caso existe uma testemunha que é urgente anular.
Mas é conveniente saber-se que este filme parte de um argumento escrito por Martin Rackin, que se foi basear em acontecimentos ocorridos entre os anos 20 e 40 e que ficaram conhecidos, nos anais da crónica policial americana, por "Murder, Inc." (pode traduzir-se como “Assassinos, SA"). Curiosamente, quem inicia a narração deste filme é Estes Kefauver que, na altura dos factos reais, tinha a presidência de uma investigação do Senado Americano sobre o chamado "crime organizado". Homem conhecedor do que falava.


Posto isto, apesar de grande parte dos exteriores terem sido filmados em vários locais de Los Angeles, o filme não define qual a cidade onde decorrem os acontecimentos. Estamos obviamente nos EUA, e o filme começa com uma carrinha prisional que transporta um preso para o edifício onde se encontram os serviços policiais e jurídicos adstritos ao tribunal, e onde o procurador Martin Ferguson (Humphrey Bogart) espera por Joseph Rico (Ted de Corsia), única e decisiva testemunha para o julgamento de Albert Mendoza (Everett Sloane), o cérebro da "Murder, Inc.". A tensão cresce à medida que as horas passam e que Joseph Rico se apavora perante a perspectiva de testemunhar em tribunal contra o seu antigo chefe. Ferguson e demais agentes da autoridade vão tentar o impossível, conservar com vida a testemunha e, à falta desta, descobrir onde se encontra uma outra, uma jovem que outrora assistira a um crime praticado por Mendoza. O que permite um final de filme verdadeiramente empolgante, com os homens de Mendoza por um lado, a polícia por outro, a tentarem localizar numa movimentada avenida a jovem Nina Lombardo (Susan Cabot). Uns pretendem calá-la para sempre, outros querem que ela deponha em tribunal.


Este é um filme muito especial por varias razões. Uma delas será certamente pelo fabuloso elenco de criminosos (e afins) que consegue reunir. Não são só magníficos secundários, daqueles que bastam dois ou três planos para se pressentir uma personagem, nalguns casos verdadeiramente neurótica. Mas igualmente pela qualidade do casting que escolhe rostos, corpos, movimentações inesquecíveis. De Ted de Corsia a Zero Mostel, passando por Everett Sloane, Michael Tolan, King Donovan, Bob Steele, Don Beddoe, Tito Vuolo, John Kellogg, e demais, todos eles são excepcionais como figuras que deixam rasto na recordação dos espectadores.  Ainda a nível de representação, diga-se que Bogart está brilhante, num papel que foi escrito à sua medida, ainda que inspirado na figura de um outro procurador, Burton Turkus, que chefiou alguns processos contra os membros da Murder, Inc. Chegou a escrever um livro que lançou quase em simultâneo com o filme. Também a personagem vivida por Ted de Corsia, Joe Rico, poderia ter sido decalcada de uma figura real, Abe Reles, uma testemunha importante encontrada morta depois de ter caído de uma janela de um hotel, o Half Moon Hotel, em Coney Island, em 12 de novembro de 1941. Nunca se chegou a estabelecer se essa morte terá sido um acidente, suicido ou assassinato. Houve quem assegurasse que tinham sido elementos da própria polícia a “empurrar” Abe para o precipício. Quanto à jovem Susan Cabot, que aqui aparece num dos seus primeiros trabalhos no cinema, seria depois muito aproveitada por Roger Corman nalguns dos seus filmes de pequeno orçamento que o tornariam uma lenda em Hollywood. Mas Susan é recordada pelas piores razões, depois de uma existência pejada de peripécias, a rondar a loucura, foi finalmente encontrada assassinada, com requintes de violência. O filho foi acusado e condenado pelo crime.
De resto, “Sem Consciência” é uma obra que tem a curiosidade de mostrar como funcionava por essa altura o crime organizado e como o mesmo foi combatido pelas autoridades. O filme, por vezes, adquire um tom documental, mas imprime um ritmo nervoso à narrativa, que passeia por ambientes sombrios, atravessada por personagens patológicas, oferecendo um retrato nada tranquilizador da sociedade norte-americana. A estrutura da progressão dramática, que alguns supõem inspirada na de “Citizen Kane”, de Orson Welles, funciona em função de vários flashbacks, alguns deles abrindo para outros, numa teia de relações interdependentes muito curiosa. O suspense é real, quase obsessivo para o final, que se sabe ter sido realizado por Raoul Walsh, e que impõe a sua eficácia de escrita e secura formal. Este é senão o primeiro, um dos primeiros exemplos de filme a documentar a actividade organizada do crime nos EUA.


SEM CONSCIÊNCIA
Título original: The Enforcer
Realização: Bretaigne Windust e Rauol Walsh (este não creditado) (EUA, 1951); Argumento: Martin Rackin; Produção: Milton Sperling; Música: David Buttolph; Fotografia (p/b): Robert Burks;  Montagem: Fred Allen;  Direcção artística: Charles H. Clarke;  Decoração: William L. Kuehl;  Maquilhagem: Vera Peterson; Assistentes de realização: Chuck Hansen; Som: Dolph Thomas; Companhias de produção: A United States Picture; Intérpretes: Humphrey Bogart (procurador Martin Ferguson), Zero Mostel (Big Babe Lazick), Ted de Corsia (Joseph Rico), Everett Sloane (Albert Mendoza), Roy Roberts (Capt. Frank Nelson), Michael Tolan (como Lawrence Tolan) (James (Duke) Malloy), King Donovan, Bob Steele, Adelaide Klein, Don Beddoe, Tito Vuolo, John Kellogg, Jack Lambert, Susan Cabot, Tom Dillon, Tim Graham, Greta Granstedt, Patricia Hayes, Patricia Joiner, Perc Launders, John Maxwell, etc. Duração: 87 minutos; Distribuição em Portugal: Cine Digital; 

UM ROUBO NO HIPÓDROMO (1956)


UM ROUBO NO HIPÓDROMO (1956)

A carreira de Kubrick no cinema inicia-se por um curioso e original conjunto de documentários, “Flying Padre”, “Day of the Fight” (ambos de 1951) e “The Seafarers” (1953) e duas longas-metragens de ficção, dois thrillers violentos, “Medo e Desejo” (Fear and Desire, 1953) e “O Beijo Assassino” (Killer's Kiss, 1955), um grupo de obras que deixava antever desde logo um autor extremamente inventivo e de grande impacto formal. Mas, o filme seguinte representa objectivamente um enorme salto qualitativo na filmografia de Kubrick. “Um Roubo no Hipódromo”, de um romance  de Lionel White (“Clean Break”), conta com argumento escrito pelo próprio Stanley Kubrick, de colaboração com Jim Thompson (sobretudo nos diálogos). Com um orçamento de 320.000, 260.000 da United Artists, os restantes 120.000 do produtor Harris, esta obra assinala a entrada de Kubrick nas “majors” de Hollywood. Trata-se de novo de um “thriller”, ou de um “filme negro”, de que a série B americana, entre as décadas de 30 e 50, está repleta de bons exemplos. Mas Kubrick irá imprimir-lhe uma respiração nova, sobretudo através de uma montagem complexa, onde as acções se desenvolvem em simultâneo, criando um “suspense” bem desenvolvido e sustentado.


Um grupo de ex-presidiários organiza um roubo num hipódromo, a efectuar durante uma das mais importantes corridas do dia, que irá deixar nas bilheteiras uma avultada quantia. O que parece ter interessado essencialmente ao autor é a forma como o roubo se processa, num autêntico mecanismo de relojoaria, com vários assaltantes espalhados por diferentes locais, funcionado de forma individual, mas concertada, fazendo depender cada acção da anterior e da seguinte, numa cadeia de comando único, previamente estudada até ao mais ínfimo pormenor e planificada de forma perfeita. Com elementos colocados criteriosamente em vários locais nevrálgicos, o assalto decorre sem incidentes de maior, para lá do nervosismo evidente e compreensível nesta corrida contrarrelógio. Serão incidências externas ao grupo que impedem o seu triunfo (nomeadamente o comportamento da mulher de um dos implicados, que, por cobiça e falta de integridade, desencadeia um tiroteio fatal, ou um cão que leva uma mala a cair quando esta se dirige já para o porão do avião que anuncia a liberdade). A mulher desempenha aqui um papel de desestabilizadora num universo de homens que são vítimas do seu comportamento, o que dá ao filme um tom de uma certa misógenia mais ou menos evidente noutras obras do mesmo cineasta.
O verdadeiro “tour de force” de Kubrick encontra-se, todavia, na descrição rápida mas incisiva e vigorosa de cada personagem, na sua inserção social e psicológica, e sobretudo na forma narrativa encontrada para justapor as acções que se desenrolam em simultâneo. A montagem não acompanha a vulgar montagem em paralelo, mas investe numa dinâmica diferente, com acções que se retomam umas às outras com tempos que se sobrepõem e se repetem em cenários diferentes, o que cria uma teia de situações complexas, permitindo o adensar de um “suspense” cada vez mais intenso e expectante (por aqui terá passado Christopher Nolan para idealizar o seu “Memento” que mantém com esta obra curiosas afinidades, levando ao limite extremo o processo iniciado por Kubrick).


Actores excelentes, magistralmente dirigidos, a utilização notável de uma voz off, de um narrador omnipresente, que vai ligando as peças deste puzzle labiríntico (um dos temas recorrentes em Kubrick), a iluminação sombreada deste “film noir” com enquadramentos plasticamente exaltantes são outras tantas achegas importantes para o crescente prestigio de um jovem cineasta em ascensão no interior da industria norte americana com propostas muito pessoais, mantidas à “outrance”. Tal como em “O Tesouro de Sierra Madre” ou “Quando a Cidade Dorme”, ambos de John Huston, o final de “Um Roubo no Hipódromo” é imprevisto e derrotante, deixando no espectador um gosto amargo sobre o destino que se abate sobre as personagens, homens desencantados e frios, que procuram um caminho pessoal perante uma sociedade inóspita e relações pessoais marcadas pela traição, onde a confiança não pode existir. O sucesso crítico, e também de público, deste pequeno filme de orçamento comedido, irá chamar a atenção de Hollywood para Kubrick.


UM ROUBO NO HIPÓDROMO 

Título original: The Killing
Realização: Stanley Kubrick (EUA, 1956); Argumento: Stanley Kubrick, Jim Thompson (diálogos), segundo romance de Lionel White (“Clean Break”); Música: Gerald Fried; Fotografia (p/b): Lucien Ballard; Montagem: Betty Steinberg; Direcção artística: Ruth Sobotka; Decoração: Harry Reif; Guarda Roupa: Beaumelle; Maquilhagem: Robert Littlefield, Lillian Shore;  Direcção de produção: Clarence Eurist; Assistentes de realização: Milton Carter, Paul Feiner, Howard Joslin; Departamento de Arte: Karl Brainard, Christopher Ebsen, Bud Pine, Robert L. Stephen, Ray Zambel, Som: Rex Lipton, Gilbert D. Marchant, Earl Snyder; Efeitos Especiais: Dave Koehler; Produção: James B. Harris, Alexander Singer; Intérpretes: Sterling Hayden (Johnny Clay), Coleen Gray (Fay), Vince Edwards (Val Cannon), Jay C. Flippen (Marvin Unger), Marie Windsor (Sherry Peatty), Ted de Corsia (Randy Kennan), Elisha Cook Jr. (George Peatty), Joe Sawyer (Mike O'Reilly), Jay Adler (Leo), Joe Turkel (Tiny), Timothy Carey (Nikki Arcane), Kola Kwariani (Maurice Oboukhoff), Tito Vuolo (Joe), Dorothy Adams (Ruthie O'Reilly), James Edwards, Herbert Ellis, James Griffith, Cecil Elliott, Steve Mitchell, Mary Carroll, William 'Billy' Benedict,  Charles Cane, Robert Williams, Art Gilmore, Sol Gorss, Richard Reeves, Frank Richards, etc. ; Duração: 85 minutos; Distribuição em Portugal: inexistente; DVD: MGM.UA (Espanha); Inglês com legendas em espanhl; Classificação etária: M/ 18 anos. 

O GRANDE CARNAVAL (1951)



O GRANDE CARNAVAL (1951)

Filmes abordando temas relacionados com o jornalismo e a comunicação social são às centenas. Jornalistas íntegros que defendem a comunidade há vários exemplos edificantes, desde os protagonistas de “Os Homens do Presidente”, até o mais recente “O Caso Spotlight”. Jornalistas corruptos também existem em muito bom número, bastando citar “A Queda de um Corpo” ou “A Primeira Página”. Claro que entre uns e outros há um número indeterminado de jornalistas a trabalharem mais ou menos em prol da comunidade ou em proveito próprio ou das instituições de que dependem, o que mostra bem que esta é uma profissão com um enorme significado e importância. “O Grande Carnaval” do sempre brilhante Billy Wilder não é apenas mais um exemplo, é um dos melhores filmes que alguma vez se realizou sobre os podres (e já agora sobre a nobreza) de uma profissão.
Charles Tatum (Kirk Douglas) é jornalista, atravessa um período de constante fracasso, sobretudo devido ao alcoolismo, conforme ele próprio se desculpa, mas tudo leva a crer que o álcool é, além de uma realidade, uma indulgência para outras falhas. Charles Tatum é sobretudo um jornalista sem escrúpulos que, apesar de algum talento que lhe permitiu ir sendo contratado por vários jornais de prestígio em cidades como Nova Iorque ou Chicago, se encontra agora numa situação lamentável: atravessa Albuquerque, no Novo México, num velho carro avariado, puxado por um reboque, sem dinheiro e sem emprego. Mas com um empreendedorismo (dir-se-ia hoje!) e uma coragem sem limites. Por isso entra pela redação dentro do jornal de Albuquerque, pede para falar com o director, Jacob Q. Boot (Porter Hall) e, mais do que solicitar, exige um emprego. Vai descendo a fasquia do ordenado semanal, até aceitar menos do que aquilo que o director lhe oferece, 60 dólares e um lugar à condição.


Passam os dias e as notícias sem relevo sucedem-se, para desespero do jornalista, mas uma manhã o director envia-o a cobrir uma feira de serpentes. Pelo caminho, levando consigo Herbie Cook (Robert Arthur), auxiliar e fotógrafo, descobre que numa velha mina numa reserva de índios, se deu um desabamento que apanhou no seu interior Leo Minosa (Richard Benedict), quando este pesquisava "relíquias indígenas" que lhe dariam algum lucro na sua velha e desgastada gasolineira à beira de estrada. A situação de Leo abre boas perspectivas a Charles Tatum, que fareja ali um furo jornalístico. Abandona a ideia de rolar até às cascavéis e de decide ficar por ali, com boas fotografias, algum drama, criação de suspense, puxar pelo sentimentalismo, alimentar o voyeurismo das massas mais fáceis e ingénuas e fazem crescer a tiragem do jornal para onde escreve, ao mesmo tempo que acrescenta algo à sua cotação de jornalista. 
Mas, para tudo correr de feição, é preciso ser o único a ter acesso à mina dos índios e à sua mina de dólares. Para isso, faz um contrato com o xerife (Ray Teal), que procura ganhar as próximas eleições. É nomeado auxiliar de xerife e única pessoa com possibilidade de conversar com Leo. Este lá se vai aguentando, com vários calhaus por cima do corpo, oxigénio para o ajudar a respirar, alguns medicamentos e a glória de aparecer na primeira do jornal da terra. Na gasolineira, os pais de Leo rezam e fazem tudo o que podem para ajudar o filho e o grande amigo jornalista que Leo conquistou. A mulher do acidentado, Lorraine Minosa (Jan Sterling), por seu lado, não pensa senão em fugir daquele local maldito que não faz jus às suas generosas curvas, oferece-se a Charles Tatum, mas este pensa primeiro na sua devoção, e depois lá poderão vir os prazeres.


Quando se perspectiva a salvação de Leo através das grutas, Tatum acha que “a situação pode ser perigosa” e que seria muito mais eficaz escavar a montanha para tentar a salvação através desse processo. Coisa para uma semana de trabalhos, o que, bem vistas as coisas, seria uma semana de artigos no jornal e a possibilidade de ser chamado para algum dos grandes de Nova Iorque, reconquistando posição e prestígio. Por isso, nada melhor do que prolongar a feira que se instala diariamente à volta “do grande acontecimento da terra”. Chegam forasteiros de todo o lado, instalam-se com armas e bagagens, levam os filhos (“isto é muito pedagógico!”), os cantores inventam baladas sobre a coragem de Leo, que vendem ao público, o circo instala-se, os carroceis rodam, os turistas esgotam os mantimentos da gasolineira, e a entrada na mina, que era grátis, passa a 20 cêntimos, 50, um dólar. É o progresso de uma região, a ascensão de um jornalista, perante a ira e a impotência dos camaradas de profissão que assistem, à porta. “Quando não há notícias, inventam-se”, esta é a máxima de Tatum, que não hesitaria em “morder o cão se necessário fosse”. Estamos no domínio da futurologia mais descabelada? Não. Estamos no campo do real que se pode verificar um pouco por todo o lado. Agora “a busca da verdade”, frase que o director do jornal de Albuquerque tem estampada na parede do seu escritório chama-se “pós-verdade”. É assim uma verdade que não é, mas que convinha a alguém que fosse.
Billy Wilder iria realizar uma outra obra essencial sobre o mundo do jornalismo: “Primeira Página”. Com “O Grande Carnaval” dirige um dos mais violentos e empolgantes libelos contra o mau jornalismo, contra a corrupção, com a febre do dinheiro, contra o crime de colarinhos (mais ou menos) brancos que se esconde por detrás de profissões aparentemente muito respeitáveis. Onde obviamente existem homens íntegros e honrados como o prova o velho director do jornal de Albuquerque.
Este “filme (muito) negro” parte de um argumento de Walter Newman, Lesser Samuels e do próprio Billy Wilder, que recebeu nomeação para o Oscar de Melhor Argumento. A interpretação é brilhante por parte de Kirk Douglas, mas muito bem acompanhado pelo restante elenco, donde se destaca ainda o tralho de Jan Sterling. Tanto a fotografia, como a partitura musical, como a montagem e a direcção artística são de salientar devidamente pela qualidade e a adequação ao projecto.
O filme triunfaria no Festival de Veneza. Mas a reacção de alguma crítica na época da sua estreia achou o argumento algo exagerado e demasiado cínico. 50 anos depois, outros críticos, acham-no dramaticamente actual. 
A história parece estar baseada em factos reais. Um, acontecido no Kentucky em 1925, quando W. Floyd Collins ficou preso numa cova que ele próprio havia cavado, e outro no caso de uma miúda, Kathy Fiscus, que caiu a um poço em San Marino (Califórnia). Diga-se ainda, como curiosidade, que até essa altura, este seria o maior cenário construído para um filme não bélico. Na verdade, a vastidão do circo montado em redor da mina índia é absolutamente invulgar, ainda a olhos de hoje, sabendo-se que na época não existiam imagens digitais.


O GRANDE CARNAVAL
Título original: Ace in the Hole ou The Big Carnival

Realização: Billy Wilder (EUA, 1951); Argumento: Billy Wilder, Lesser Samuels, Walter Newman, segundo história de Victor Desny (não creditado); Produção: William Schorr, Billy Wilder; Música: Hugo Friedhofer; Fotografia (p/b): Charles Lang; Montagem: Arthur P. Schmidt; Casting: Bert McKay;  Direcção artística: A. Earl Hedrick, Hal Pereira; Decoração: Sam Comer, Ray Moyer; Guarda-roupa: Edith Head; Maquilhagem: Wally Westmore, Hal Lierley; Direcção de Produção: Richard Blaydon, Hugh Brown, Don Robb; Assistentes de realização: Charles C. Coleman, Francisco Day, Al Mann, Jason Rosenberger; Departamento de arte: Maurice Goodman, Cline Jones, Martin Pendleton, Tom Plews, Harold Worthington;  Som:  Gene Garvin, Harold Lewis, Bob Carr, A.D. Cook, John Cope;  Efeitos visuais: Farciot Edouart, Irmin Roberts; Companhia de produção: Paramount Pictures; Intérpretes: Kirk Douglas (Chuck Tatum), Jan Sterling (Lorraine Minosa), Robert Arthur (Herbie Cook), Porter Hall (Jacob Q. Boot), Frank Cady (Al Federber), Richard Benedict (Leo Minosa), Ray Teal (xerife Gus Kretzer), Lewis Martin (McCardle), John Berkes (Papa Minosa), Frances Dominguez (Mama Minosa), Gene Evans, Frank Jaquet, Harry Harvey, Bob Bumpas, Geraldine Hall, Richard Gaines, Roy Regnier, Oscar Belinda, Martin Bendleton, Timothy Carey, Basil Chester, Ken Christy, Stewart Kirk Clawson, Iron Eyes Cody, Francisco Day, Lester Dorr, Claire Du Brey, Edith Evanson, William Fawcett, John Stuart Fulton, Joe Gray, Charles Griffin, Larry Hogan, Frank Keith, Bob Kortman, Martha Maryman, Stanley McKay, Joe J. Merrill, Paul D. Merrill, Lee Miller, Ralph Moody, Bert Moorhouse, William H. O'Brien, Frank Andrew Parker, Martin Pendleton, William N. Peters, Jack Roberts, Bill Sheehan, Bert Stevens, John 'Bub' Sweeney, etc. Duração: 111 minutos; Distribuição em Portugal: inexistente; Blu-Ray: Feel Filmes (Espanha); Inglês, com legendas em espanhol; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 15 de Janeiro de 1957.

QUANDO A CIDADE DORME (1950)


QUANDO A CIDADE DORME (1950)

John Huston foi uma das mais fortes personalidades de Hollywood durante algumas épocas. Como realizador, argumentista e actor amealhou dezena e meia de nomeações para Oscars, ganhou por duas vezes no mesmo filme, “O Tesouro de Sierra Madre”, como argumentista e realizador. Era o que se pode chamar uma força da natureza, um homem com a fibra e o arrojo de um Hemingway ou um Welles, deixou uma marca inconfundível em quase cinco dezenas de títulos por si dirigidos e em mais de uma meia centena de outros onde aparece como actor. Algumas realizações suas perduram com uma mensagem simbólica inconfundível: a avidez e a ambição não são boas conselheiras ou, em palavras mais comezinhas, “quem tudo quer, tudo perde”. “O Tesouro de Sierra Madre” (1948) é, neste aspecto, paradigmático, mas “Quando a Cidade Dorme” (1950) não lhe fica atrás. A força destes filmes foi tamanha que arrastou seguidores. “Um Roubo no Hipódromo”, do então jovem Stanley Kubrick, parece ter-lhe seguido as peugadas.
“The Asphalt Jungle” conta a história de um assalto, um dos muitos “hold up” que o cinema foi narrando ao longo da sua existência, nalguns “heist movie” que ficaram para sempre na memória dos cinéfilos. Mas este terá sido dos primeiros, e dos mais conseguidos, funcionando, portanto, como protótipo. Um assalto laboriosamente pensado por Doc Erwin Riedenschneider (Sam Jaffe) enquanto esteve preso e que procura por em prática logo que se encontra em liberdade. Mas para levar a efeito este roubo de joias precisa de alguns cúmplices que o ajudem em tarefas de campo, como arrombar portas e fechaduras de cofres e organizar a fuga. Riedenschneider é o cérebro, limita-se a estudar e organizar mentalmente o “projecto”. Outros serão as suas hábeis mãos e rápidos pés.



Para isso conta, entre outros, com Dix Handley (Sterling Hayden). Mas necessita igualmente de capital, para o que se socorre de um (aparentemente) bem instalado Alonzo D. Emmerich (Louis Calhern) que mascara a sua falência por detrás de um aspecto de perfeito gentleman, e da sua dengosa amante, uma curvilínea Angela Phinlay (Marilyn Monroe ainda em inicio de carreira, mas já prometedora). Tudo parece correr segundo os planos, apesar dos esforços do corrupto Comissário Hardy (John McIntire) para aparentemente deslindar o golpe, até que tudo se desmorona. Com muito de parábola bíblica, para se comprovar que o “crime não compensa”.
O mais interessante neste filme, que valeria a John Huston duas novas nomeações de Oscars para Melhor Realizador e Melhor Argumentista, aqui de colaboração com Ben Maddow, adaptando ambos um romance de W.R. Burnett, são seguramente os retratos destes vigaristas sem sorte, ladrões de joias sem estrelinha, que acabam por deixam fugir por entre os dedos a fortuna que tinham conseguido arrecadar. Huston é muito dado a acompanhar o percurso de alguns falhados da vida, que ambicionam mais alto do que os seus recursos e acabam por pagar por isso. Foi assim em “O Tesouro de Sierra Madre”, com o pesquisador de ouro que perde toda a sua fortuna deixando os sacos carregados de pepitas de ouro, resvalar por uma colina abaixo, volta a ser assim neste “Quando a Cidade Dorme”, onde o talento do cineasta descreve com invulgar eficiência de meios e rigor os ambientes de um certo bas-fond do crime. Curiosa igualmente a interdependência de classes em que poderosos e criminosos e vagabundos se cruzam para (possível) proveito de todos, mostrando que, também nestes “negócios”, capital e trabalho unem esforços, mas mantendo distancias e hierarquias. A fotografia, a preto e branco, de Harold Rosson, é de muito boa qualidade, recriando climas, num claro escuro muito expressivo, e que se ajusta muito bem às características do “filme negro”. Também a música de Miklós Rózsa se integra magnificamente no tom do filme (não só se integra, como o ajuda a definir). Excelentes são ainda as interpretações de um elenco onde surgem igualmente vários rostos habituais neste género. 


QUANDO A CIDADE DORME
Título original: The Asphalt Jungle
Realização: John Huston (EUA, 1950); Argumento: Ben Maddow, John Huston, segundo romance de W.R. Burnett;Produção: Arthur Hornblow Jr, John Huston; Música: Miklós Rózsa; Fotografia (p/b): Harold Rosson; Montagem: George Boemler; Direcção artística: Randall Duell, Cedric Gibbons; Decoração: Edwin B. Willis; Guarda-roupa: Joan Joseff; Maquilhagem: Jack Dawn, Sydney Guilaroff, Lou LaCava, Elaine Ramsey; Direcção de Produção: Lee Katz; Assistentes de realização: Jack Greenwood, Frank E. Myers; Departamento de arte: Jack D. Moore, Frank Wesselhoff; Som: Douglas Shearer, Robert B. Lee; Companhias de produção: Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) (Loew's Incorporated) (A John Huston Production); Intérpretes: Sterling Hayden (Dix Handley), Louis Calhern (Alonzo D. Emmerich), Jean Hagen (Doll Conovan), James Whitmore (Gus Minissi), Sam Jaffe (Doc Erwin Riedenschneider), John McIntire (Comissário Hardy), Marc Lawrence (Cobby), Barry  (Tenente Ditrich), Anthony Caruso (Louis Ciavelli), Teresa Celli (Maria Ciavelli), Marilyn Monroe (Angela Phinlay), William 'Wee Willie' Davis (Timmons), Dorothy Tree (May Emmerich), Brad Dexter (Bob Brannom), John Maxwell (Dr. Swanson), Mary Anderson, Ray Bennett, David Bond, Chet Brandenburg, Benny Burt, Harry G. Butcher, Frank Cady, Jean Carter, Mack Chandler, David Clarke, John Cliff, Harry Cody, Gene Coogan, Henry Corden, Chuck Courtney, John Crawford, Ralph Dunn, Gene Evans, Pat Flaherty, Alex Gerry, Sol Gorss, Fred Graham, William Haade, Don Haggerty, Eloise Hardt, Thomas Browne Henry, Wesley Hopper, George Lynn, Ethel Lyons, Fred Marlow, Strother Martin, Patricia Miller, Howard M. Mitchell, Ralph Montgomery, Alberto Morin, Kerry O'Day, Raymond Roe, Henry Rowland, Tim Ryan, James Seay, Jack Shea, Charles Sherlock, J. Lewis Smith, J.J. Smith, Joseph Darr Smith, Helene Stanley, Jack Stoney, Ray Teal, Leah Wakefield, Harlan Warde, Jack Warden, William Washington, Constance Weiler, Judith Wood, Victor Wood, Wilson Wood, Jeff York, etc. Duração: 112 minutos; Distribuição em Portugal: Warner (Espanha); Inglês, com legendas em espanhol; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 22 de Março de 1951. 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

HÁ LODO NO CAIS (1954)



HÁ LODO NO CAIS (1954)


“On the Waterfront” (Há Lodo no Cais) é uma das obras máximas de Elia Kazan e também um dos seus títulos mais contestados. Não pela qualidade intrínseca da obra, que raros põem em causa, mas pelas implicações que a mesma acarreta, relativas a um período extremamente polémico da vida da América e do próprio cineasta.
Deve, aliás, dizer-se que “Há Lodo no Cais” poderá justificar duas formas de aproximação quase antagónicas, uma integrando o filme no caso específico do comportamento individual do realizador durante o "maccartismo", outra olhando-o como obra autónoma que seja analisada por um espectador desprevenido que atente apenas naquilo que as imagens mostram.
Para se compreender melhor este filme é necessário conhecer um pouco da história pessoal deste cineasta. Já com alguma fama como encenador, Elia Kazan foi convidado, no início da década de 40, a viajar até Hollywood.
Durante os anos 30, ainda em Nova Iorque, militara no Partido Comunista americano, numa época em que este partido tinha alguma influência no quadro da sociedade norte americana, sobretudo por causa de Roosevelt e do seu programa de desenvolvimento económico e social, conhecido por “New Deal”. Roosevelt desafiara as forças de esquerda para se associarem a este projecto de recuperação nacional, o que era sobretudo visível no campo artístico e literário. Por isso, quando Kazan surge na realização, é compreensível que mantenha e prolongue no cinema essa formação de empenhamento político, bem como as suas inquietações de raiz social, o que ficou bem testemunhado, por exemplo, em “Crime Sem Castigo”.


Depois, em meados da década de 40, quando Kazan já se encontrava fora das estruturas do Partido - fora expulso, acusado de pouca ortodoxia -, a Comissão das Actividades Anti-Americanas inicia a depuração da sociedade americana dos elementos comunistas, e avança deliberadamente contra o mundo do cinema, pois era o campo que maior cobertura jornalística forneceria, favorecendo dessa maneira a estrutura intimidatória do inquérito dirigido pelo tristemente célebre senador MacCarthy. O cinema seria o exemplo a brandir perante a sociedade.
Entre os vários realizadores, argumentistas, técnicos e actores intimados a comparecer perante essa comissão esteve Kazan. Enquanto alguns se recusaram a depor e outros falaram constrangidos, Kazan aceita depor, e aluga uma página de um diário para tornar pública a sua denúncia. Confessa ter sido comunista e aponta os que como ele o foram, alegando várias justificações para esta atitude, entre as quais o facto do PC americano se ter transformado numa estrutura intimidatória lesiva.
Daí em diante, Kazan será acusado na América e no mundo por este seu acto, e os seus filmes posteriores não deixam de reflectir sobre este acontecimento traumatizante. “Viva Zapata!”, que é realizado em 1951, acompanha o desenrolar do processo, “Man on a Tightrope”, de 1954, é uma obra claramente anti comunista, e talvez das mais fracas de Kazan, “Há Lodo no Cais” é de 1954, e assume-se claramente como uma reflexão sobre a denúncia. Será que a denúncia é em si mesmo um acto negativo? Kazan irá mostrar, através da figura de Terry Malloy, que Marlon Brando interpreta de forma memorável, que a denúncia pode por vezes ser heróica.


É aqui que a interpretação desta obra adquire leituras diferenciadas. Se a denuncia de Kazan, por muito compreensíveis que sejam os factos em que se baseia, e que a História de alguma forma comprovou, é apesar de tudo condenável, pelo cenário histórico em que se inscreve - a ascensão de forças ultrareaccionárias na América, comandadas por ultra direitistas como o sinistro MacCarthy -, já a denúncia de Terry Malloy é efectivamente um acto de coragem cívica.
No mundo das docas, com os sindicatos dominados por uma Mafia que tudo corrompe em proveito próprio, Terry Malloy, antigo pugilista que passou ao lado de uma grande carreira porque aceitou perder um combate que era de ganhar, é chamado para atrair a uma cilada um operário que estava disposto a denunciar o "complot". Mas, a partir daí, este acto irá pesar na consciência de Terry Malloy, que lentamente começa a perceber quais os interesses que efectivamente se movimentam por detrás de Johnny Friendly e do seu próprio irmão Charley. O padre Barry coloca-se à frente da contestação, mas necessita de alguém que aceite depor no inquérito. Alguém que chegue vivo até ao tribunal.
O filme de Kazan é prodigiosamente construído, e admiravelmente interpretado. Basta analisar meia dúzia de planos iniciais para se perceber que estamos perante um cineasta invulgar. Das docas sai o grupo de Johnny Friendly e a imagem, com um navio acostado, é uma imagem de força e de poder. Num “contra-plongée” quase vertical, vê-se Terry Malloy, com um pombo-correio nas mãos, chamar um amigo. Num plano seguinte, o rosto de Malloy surge para lá de um gradeamento que aponta para o céu as suas ameaçadoras setas metálicas. E dá-se o irremediável.


As imagens preparam o acontecimento de forma fulgurante. Todo o filme irá jogar com esta mestria narrativa, este poder de sugestão, esta força expressiva que só os muito grandes conseguem realmente concretizar com uma economia de meios absolutamente genial. Elia Kazan é um realizador invulgar. O argumento de “On the Waterfront”, escrito por Budd Schulberg, segundo uma série de artigos de Malcolm Johnson, é de uma inteligência e lucidez notáveis. A fotografia a preto e branco de Boris Kaufman é igualmente admirável, pela dureza e rigor que imprime às imagens. A música de Leonard Bernstein ajuda a ritmar o pulsar desta sociedade violenta. Marlon Brando atinge aqui o estatuto de mito, mas todos os que o rodeiam são brilhantes, desde os sinistros Lee J. Cobb e Rod Steiger, à inocente e pura Eva Marie Saint, passando por Karl Malden na figura do padre Barry. 
Uma obra-prima que a Academia de Hollywood consagrou com 8 Oscars, entre os quais os de melhor filme, melhor realização, melhor actor, melhor actriz secundária, melhor argumento, melhor fotografia a preto e branco, melhor montagem e melhor direcção artística. Pela primeira vez na história de Hollywood um mesmo filme via três actores secundários serem nomeados para o Oscar da categoria - Karl Malden, Rod Steiger e Lee J. Cobb. 
E não se pode dizer que tenha sido somente a Academia a saldar a sua dívida para com Kazan, porque nos meios de Hollywood, entre aqueles mesmo que agora votavam os melhores, Kazan deixara muitas inimizades. Mas a força de “Há Lodo no Cais” a tudo resiste. Esperemos que funcione hoje como tremendo libelo contra um mundo onde as injustiças mais gritantes sobrevivem, e onde por vezes é necessário erguer corajosamente a voz.


Marlon Brando, na sua autobiografia, explica desta forma a génese de “Há Lodo no Cais”: “Durante a década de trinta, vários membros do Group Theatre, incluindo Gadg, aderiram ao Partido Comunista - em grande parte, julgo, devido a uma crença idealista de que oferecia uma abordagem progressista para acabar com a Depressão e a crescente desigualdade económica no país, confrontava a injustiça racial e fazia frente ao fascismo. Muitos, incluindo Gadg, não tardaram a ficar desencantados com o partido, mas apelavam para as sua causas durante a histeria da era McCarthy.
“A House Un-American Activities Committee era liderada por J. Parnell, um honrado pilar da nossa comunidade política, que veio mais tarde a ser preso por fraude. Os outros membros da comissão estavam bastante mais preocupados em explorar o fascínio do público por Hollywood e em gerar publicidade para si próprios do que com qualquer outra coisa. Intimaram Gadg e o seu testemunho marcou-o para sempre. Não apenas admitiu que fora comunista, como identificou todos os restantes membros do Group Theatre que também o haviam sido. Muitos dos seus velhos amigos ficaram furiosos, consideraram o testemunho uma traição e recusaram-se a voltar a falar ou trabalhar com ele.”
“Até então, Gadg colaborara com Arthur Miller, para quem realizou “All My Sons”. Depois disso, presenteou-me com um argumento que tratava da vida nos cais de Nova Iorque. Quando Miller se retirou do projecto, Gadg chamou Budd Schulberg, o romancista que, tal como ele próprio, denunciara nomes perante a House Un-American Activities Committee. Schulberg estava a trabalhar num argumento acerca da corrupção nas docas baseado numa série de artigos de imprensa premiados que descreviam a forma como a Máfia se apoderava de parte da carga movimentada nos portos de Nova Iorque e Nova Jérsia. Gadg e Schulberg juntaram os dois argumentos e tentaram durante meses arranjar um estúdio que financiasse o filme.“


Sobre a personagem que interpretou, o actor esclarece: “Terry Malloy, um ex-pugilista, foi uma personagem baseada numa figura verídica que, apesar das ameaças contra a sua vida, testemunhou contra o Goodfellas, que dirigia o cais de Jérsia. Aceitei com relutância o papel porque não apreciara a atitude de Gadg e conhecia algumas das pessoas que haviam sido gravemente prejudicadas. Era especialmente estúpido, porque a maior parte das pessoas haviam deixado de ser comunistas. Pessoas inocentes foram também colocadas na lista negra, incluindo eu, embora nunca tivesse tido qualquer filiação política. Foi apenas porque tinha assinado uma petição contra o linchamento de um homem negro no Sul. A minha irmã Jocelyn, que aparecera na peça “Mister Roberts”, na Broadway, e se tornou uma actriz muito popular, foi também incluída na lista negra porque o seu nome de casada era Asinof e havia outro J. Asinof. Nessa época, pisar o passeio com o pé esquerdo em primeiro lugar já era motivo para suspeita de que se pertencia ao Partido Comunista. Julgo que escapámos por um triz a implantação do fascismo neste país.”
“Gadg tinha de justificar o que fizera e pareceu ter sinceramente acreditado na existência de uma conspiração global para se apoderar do mundo e em que o comunismo constituía uma perigosa ameaça para as liberdades americanas. Tal como os seus amigos, disse-me que se voltara para o comunismo porque, na altura, lhe parecera oferecer um mundo melhor, mas que o abandonara quando se apercebera de que não era assim. Falar sinceramente perante a comissão, opondo-se aos seus antigos amigos que não haviam abandonado a causa, fora uma decisão difícil, acrescentou, mas uma vez que fora por eles ostracizado não sentia remorsos pelo que fizera.”
“Decidi finalmente fazer o filme, mas do que não me apercebi na altura foi de que “Há Lodo no Cais” era na verdade um argumento metafórico da autoria de Gadg e Budd Schulberg; fizeram o filme para se justificarem por terem denunciado os amigos. Claro que, ao interpretar a figura de Terry Malloy, eu representava o espírito do homem destemido e corajoso que desafiava o mal. Nem Gadg nem Budd Schulberg tiveram alguma vez segundas intenções no seu testemunho perante a comissão.”


“Nessa época, Gadg era o realizador que estava no limiar da mudança do modo de fazer filmes. Fora influenciado por Stella Adler e pelas inovações que esta trouxera da Europa e tentava sempre criar espontaneidade e ilusão da realidade nos seus filmes. Contratou homens das docas para actuarem como figurantes. Filmou a maior parte das cenas nos bas-fonds da doca de Nova Jérsia. Ficou satisfeito por estar mesmo frio. Isso conferia um toque de realismo e ficou encantado pelo facto de o nosso bafo aparecer no filme. A maior ironia consistiu no facto de ter obtido autorização da Máfia para filmar nas docas. Quando o convidaram para almoçar, arrastou-me com ele e só mais tarde vim a saber que o homem com quem almoçámos era o líder do cais de Jérsia. Apesar de Gadg ter denunciado os amigos perante a House Committee over Communism, nem hesitou ao ter que cooperar com a Cosa Nostra. Tendo em conta os seus próprios critérios, isto pareceria um extraordinário acto de hipocrisia, mas quando Gadg queria fazer um filme e tinha de mexer alguns cordelinhos para o conseguir estava perfeitamente disposto a isso. Na realidade, conheci algumas pessoas da Cosa Nostra na altura e tê-los-ia preferido a bastantes políticos que temos.”
Muito interessante é ainda surpreender as relações entre actor e realizador, neste caso entre Elia Kazan e Marlon Brandon que aqui dá conta da sua versão:
“Uma das razões pelas quais Gadg era um óptimo realizador era por conseguir manipular as emoções das pessoas. Tentava descobrir tudo acerca dos seus actores e participava emocionalmente em todas as cenas. Vinha ter connosco nos intervalos das filmagens e dizia-nos algo que pudesse suscitar reacções para melhorar a cena. Por vezes, chegava a criar mal-entendidos com esta técnica. Em “Viva Zapata!” eu fazia de irmão de Tony Quinn e Gadg disse-lhe algumas mentiras a meu respeito. Isto intensificou o estado emocional de Tony e foi muito bom para o filme, porque fez acentuar o conflito entre irmãos; infelizmente, Gadg nunca se preocupou em desfazer o mal-entendido. Só vim a sabê-lo quinze anos depois, num talk-show, em que Tony fez referencia ao que se passara. Telefonei-Ihe e disse-lhe que nunca havia dito tais coisas e que Gadg o manipulara. Foi um alívio poder esclarecer esta trapalhada. Desde então, Tony e eu voltamos a falar-nos.”
“Gadg era fantástico a inspirar os actores a representar, mas isso tinha um preço. As pessoas comentaram muitas vezes comigo a cena de “Há Lodo no Cais” que tem lugar no banco de trás de um táxi. Ilustra bem o modo de trabalhar de Kazan. Eu desempenhava o papel de irmão bonzinho e ele era um líder sindical corrupto que tentava melhorar a minha posição com a Máfia. Haviam-Ihe insinuado de diversas formas que me armasse uma cilada porque eu iria testemunhar perante a Comissão do Cais acerca dos crimes de que tinha conhecimento. Segundo o argumento, Steiger era suposto puxar de uma pistola no táxi, apostar-ma e dizer “Decide-te antes de chegarmos a 437 River Street” - que era onde eu seria morto.
Disse a Kazan: “Não posso acreditar que ele dissesse uma coisa dessas ao irmão e o público também não vai acreditar que este tipo que viveu toda a vida com o irmão e que tomou conta dele durante trinta anos lhe apontasse de repente uma arma e ameaçasse matá-lo. Não é verosímil.
Esta situação era típica das discussões criativas que tínhamos.
- Não posso representar isto assim - insisti e Gadg respondeu: “-Claro que podes; é perfeitamente plausível.”
- É ridículo - protestei. - Ninguém falaria assim ao irmão. Representámos várias vezes a cena à maneira dele, mas eu continuei a dizer:
- Não pode ser assim, Gadg, a sério que não. Finalmente, ele disse: “Está bem, apresentem a vossa proposta”.
Rod e eu improvisámos a cena e acabámos por mudá-la por completo. Gadg ficou convencido e gravou-a.
Na nossa improvisação, quando o meu irmão me apontava a arma no táxi, eu olhava para a pistola e depois para ele com ar incrédulo. Não me passaria um segundo pela cabeça que ele premisse o gatilho. Senti pena dele. Depois Rod começa a falar da minha carreira de pugilista. “Se eu tivesse tido um agente melhor”, disse, “as coisas ter-me-iam corrido melhor no ringue. Ele foi demasiado apressado contigo.”


- Não foi ele, Charlie - disse eu -, foste tu. Lembras-te daquela noite no Garden quando foste ao meu camarim e me disseste “Miúdo, hoje não é a tua noite. Vamos apostar no Wilson?” - Lembras-te disso? “Esta não é a tua noite.” - A minha noite! Podia ter vencido o Wilson. Por isso, o que aconteceu? Ele ficou a um passo do título, como se fosse uma brincadeira e eu que é que consegui? Um bilhete de ida para Palookaville. Tu és meu irmão, Charlie, devias ter defendido melhor os meus interesses. Devias ter tomado melhor conta de mim, para que eu não tivesse que receber massa para fingir knock-outs... Podia ter tido classe. Podia ter sido um grande pugilista. Podia ter sido alguém, em vez de um vagabundo, que é o que eu sou, chamemos as coisas pelos nomes. Foste tu, Charlie...
Quando o filme estreou, imensas pessoas consideraram a minha actuação excelente e a cena comovente. Mas não precisava de um actor, era uma cena que demonstrava como o público se identifica com as personagens numa história bem contada. Quase toda a gente acredita que ele podia ter sido um grande pugilista, que podia ter sido alguém se tivesse tido outra sorte, por isso, ao verem a cena, identificam-se com ele. É essa a magia do teatro; todo o público se transforma em Terry Malloy, um homem que teve a coragem, não apenas de fazer frente à Máfia, como também de afirmar: “Sou um vagabundo. Chamemos as coisas pelos seus nomes...”
No dia em que Gadg me mostrou o filme, fiquei tão deprimido com a minha actuação que me levantei e abandonei a cabina de projecção. Pensei que o filme ia ser um fracasso e afastei-me sem dizer palavra. Estava muito envergonhado.
Ninguém é perfeito e penso que Gadg fez bastante mal a outras pessoas, mas sobretudo a si próprio. Estou em dívida para com ele por tudo o que me ensinou. Era um professor maravilhoso.
Tive alguns problemas de consciência em comparecer na cerimónia de entrega dos Óscares e aceitar um galardão. Nunca acreditara que o resultado fosse mais importante do que o esforço. Lembro-me de que me levaram para a cerimónia e eu ainda estava indeciso acerca do facto de ter vestido um smoking. Mas acabei por pensar “que se lixe”; as pessoas querem agradecer-nos e se é assim tão importante para elas, porque não comparecer? Desde então mudei de opinião acerca dos prémios em geral e não voltarei a aceitar nenhum. Isto não significa que não considere válido aquilo em que as outras pessoas acreditam; muitas pessoas que conheço e de quem gosto acreditam que os galardões são bastante valiosos e chegam mesmo a envolver-se no processo dos Óscares da Academia e outros. Não os desprezo por isso e espero que também não me desprezem a mim.”


HÁ LODO NO CAIS
Título original: On the Waterfront

Realização: Elia Kazan (EUA, 1954); Argumento: Budd Schulberg, segundo artigos de Malcolm Johnson; Música: Leonard Bernstein; Fotografia (p/b): Boris Kaufman; Montagem: Gene Milford; Direcção artística: Richard Day; Maquilhagem: Mary Roche, Fred C. Ryle; Direcção de produção: George Justin; Asistentes de realização: Charles H. Maguire, Arthur Steckler; Som: Jim Shields; Produção: Sam Spiegel; Intérpretes: Marlon Brando (Terry Malloy), Karl Malden (Padre Barry), Lee J. Cobb (Johnny Friendly), Rod Steiger (Charley Malloy), Eva Marie Saint, Pat Henning (Timothy J. 'Kayo' Dugan), Leif Erickson (Glover), James Westerfield (Big Mac), Tony Galento (Truck), Tami Mauriello (Tullio), John F. Hamilton ('Pop' Doyle), John Heldabrand, Rudy Bond, Don Blackman, Arthur Keegan, Abe Simon, Barry Macollum, Mike O'Dowd, Martin Balsam, Fred Gwynne, Thomas Handley, Anne Hegira, Dan Bergin, Jere Delaney, Michael V. Gazzo, Pat Hingle, Tiger Joe Marsh, Edward McNally, Nehemiah Persoff, Johnny Seven, etc. Duração: 108 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia Filmes; Columbia Tristar (DVD); Classificação Etária: M/12 anos.