quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

PAGOS A DOBRAR (1944)


PAGOS A DOBRAR (1944)

“Double Indemnity” pode traduzir-se por “dupla indemnização”, numa terminologia ligada a companhias de seguros. É o que se passa nesta obra retirada de um romance negro de James M. Cain (o mesmo de “O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes”, com o qual a intriga deste “Pagos a Dobrar” tem muitos pontos de contacto), adaptado a cinema por um outro grande autor do policial negro, Raymond Chandler, argumento que contém ainda uma boa garfada do próprio Billy Wilder. Tal como em “O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes”, o que aqui está em causa é a intenção de uma mulher (uma verdadeira “femme fatal” com uma ambição desmedida) em matar o marido para ficar com o seguro, enrolando no esquema um empregado de uma agência de seguros que se deixa prender de amores pela megera de falinhas mansas.
Há uma história curiosa de rivalidade entre produtores acerca desse filme: em 1944, David O. Selznick estreou com grande sucesso “Desde Que Tu Partiste”, e a campanha publicitária falava de "'Since You Went Away' como “as quatro mais importantes palavras no cinema desde 'Gone With the Wind'!", que também tinha sido produzido por Selznick. Billy Wilder não gostou da graça (o seu filme era do mesmo ano de 1944) e resolveu contra-atacar: "'Double Indemnity' são “as duas mais importantes palavras no cinema desde 'Broken Blossoms'!", referindo-se desta feita à obra prima de 1919  de D.W. Griffith. Selznick também não achou graça ao remoque e interpôs uma acção em tribunal por considerar ilegal este tipo de contra-publicidade. Mas há mais: Alfred Hitchcock, que tinha contas a ajustar com Selznick, acrescentou: "The two most important words in movies today are 'Billy Wilder'!"
E sim, Billy Wilder é um dos nomes mais representativos do cinema norte-americano entre os anos 40 e os anos 70. São dele algumas das pérolas daquela cinematografia, ele que nasceu austríaco, em 1906, numa aldeia que hoje é polaca (Sucha), para no início da década de 30 emigrar para a América, onde concretiza quase toda a sua filmografia como realizador. Antes, porém, na Alemanha, já adquirira prestígio como argumentista, depois de ter passado pela carreira de jornalista. Billy Wilder deu ao cinema títulos como “The Lost Weekend”, “Sunset Boulevard”, “The Big Carnival”, “Stalag 17”, “Same Like it Hot”, “The Apartment”, “The Front Page”, entre muitos outros igualmente meritórios, mas em 1944 afirmava-se já como um génio ao dirigir “Double Indemnity”, que ele disse não ter realizado a pensar que era um “filme negro”, mas que se afirma como um dos seus mais lídimos representantes. 


Na verdade, “Pagos a Dobrar” tem todas as características deste género, quer pelas situações, personagens, móbil do crime, mas sobretudo pela ambiência sombria e malsã em que decorre a acção, que liberta alguns dos piores sintomas de uma sociedade doente, obcecada pelo dinheiro, viciada pela ganância, corrupta e inebriada pelo sucesso fácil. Tudo isto são características que se adaptam bem à personagem principal, Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck), que engendra todo o plano para matar o marido, depois de este ter assinado um chorudo seguro de vida que lhe foi proposto ardilosamente por Walter Neff (Fred MacMurray), com quem a viperina Phyllis Dietrichson mantinha um caso, obviamente muito conveniente para os seus intentos. No meio deste lamaçal de más intenções que idealizam o crime perfeito e a avultada recompensa financeira, aparece um astuto director de serviços da seguradora, Barton Keyes (um fabuloso Edward G. Robinson), que instintivamente descobre que nem tudo o que parece é.
O filme é admiravelmente contado, com uma magnífica fotografia preto e branco de John F. Seitz, uma iluminação que sublinha a sordidez dos ambientes, e uma partitura musical de Miklós Rózsa, daquelas que ficaram para a história.


Como nota João Benard da Costa num texto sobre  filme, “Double Indemnity” implica três leituras. É o nome da encruzilhada em que o corpo do marido de Barbara Stanwyck foi encontrado; é a referencia ao prémio do seguro que caberá a Phyllis por tal acidente; é ainda a inscrição da relação condenada em que os dois cúmplices se envolvem”. Esta óbvia e intencional sobrecarga de significados oferece ao filme uma tensão forte e obsessiva. Neste ambiente “negro” quase todas as personagens agem em função de desprezíveis intenções, não só o casal que imagina e executa o crime, mas a filha de Phyllis, o namorado desta, e quase todos os circundantes. O ambiente é de tal maneira doentio que Barbara Stanwyck, convidada para interpretar o papel principal, depois de ler o argumento o recusou, por o achar demasiado ignóbil. Foi Billy Wilder quem a convenceu, em boa hora: “És um rato ou uma actriz?”, ao que ela respondeu “quero ser uma actriz”. “Então aceita o papel”, ela aceitou e triunfou em toda a linha. 

Na verdade, a actriz tinha o perfil indicado para este trabalho.  Barbara Stanwyck atravessou todos os géneros, do melodrama à comédia, do western ao policial, mas terá sido no “filme negro” que melhor se identificou com figuras de “femme fatal” fria e calculista, mas de certa complexidade. Em “Pagos a Dobrar”, quem nos diz que Phyllis não está verdadeiramente interessada em Walter Neff? Recebeu quatro nomeações para o Oscar de Melhor Actriz, e foi-lhe atribuído um Oscar de carreira, em 1982.
Parece que a génese do filme não terá sido muito pacífica a nível de argumentistas. James M. Cain, o romancista, que se terá baseado num acontecimento verídico, ocorrido em 1920, e de que foi protagonista Ruth Snyder, não terá ficado muito satisfeito com a versão, e Raymond Chandler, o argumentista, quase terá cortado relações com Wilder, finda a rodagem. Diga-se que Chandler tem neste filme a sua única aparição no cinema: uma pequena figuração de um homem a ler um livro, enquanto Fred MacMurray desce uma escada (aproximadamente aos 16 minutos de projecção).
Em 2007, o American Film Institute organizou um inquérito sobre “Greatest Movie of All Time” e “Pagos a Dobrar” ficou em 29º lugar. Foi nomeado para sete Oscars, não tendo ganho nenhum: Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Actor, Melhor Actriz, Melhor Argumento, Melhor Fotografia a preto e branco, Melhor Música e Melhor Som.


PAGOS A DOBRAR
Título original: Double Indemnity

Realização: Billy Wilder (EUA, 1944); Argumento: Billy Wilder, Raymond Chandler, segundo romance de James M. Cain; Produção: Buddy G. DeSylva, Joseph Sistrom; Música: Miklós Rózsa; Fotografia (p/b):  John F. Seitz; Casting: Harvey Clermont; Direcção artística: Hans Dreier, Hal Pereira; Decoração: Bertram C. Granger; Guarda-roupa:  Edith Head; Maquilhagem: Wally Westmore, Hollis Barnes, Robert Ewing, Charles Gemora; Direcção de Produção: Al Trosin; Assistentes de realização: Charles C. Coleman, Bill Sheehan; Departamento de arte: Jack Colconda, Jim Cottrell, Paul Tranz; Som: Stanley Cooley, Walter Obers; Efeitos visuais: Farciot Edouart; Companhia de produção: Paramount Pictures; Intérpretes: Fred MacMurray (Walter Neff), Barbara Stanwyck (Phyllis Dietrichson), Edward G. Robinson (Barton Keyes), Porter Hall (Mr. Jackson), Jean Heather (Lola Dietrichson), Tom Powers (Mr. Dietrichson), Byron Barr (Nino Zachetti), Richard Gaines (Edward S. Norton, Jr.), Fortunio Bonanova (Sam Garlopis), John Philliber (Joe Peters), James Adamson, John Berry, Raymond Chandler (homem a ler um livro), Edmund Cobb, Kernan Cripps, Betty Farrington, Bess Flowers, Miriam Franklin, Harold Garrison, Eddie Hall, Teala Loring, George Magrill, Sam McDaniel, Billy Mitchell, Clarence Muse, Constance Purdy, Dick Rush, Floyd Shackelford, Oscar Smith, Douglas Spencer, etc. Duração: 107 minutos; Distribuição em Portugal: Filmes Unimundos; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 24 de Agosto de 1945. 

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